Era tarde...
Ela saiu de mais uma festa, dirigiu pela cidade sem rumo. Queria parar em algum lugar, ver os amigos, quem sabe conversar. Mas não quis. Dentro do carro ela se sentia tão segura, tão ela, que o caminho mais longo acabou se tornando uma voltinha pelas ruas, uma pausa para o cigarro que ela aproveitou ao máximo.
Em silêncio, o mundo parecia que era só dela, e ela lembrou de quando realmente era. Desde pequena ela pensou que iria conquistar as montanhas mais altas, trabalhar com as coisas mais legais, amar de corpo e alma e se aventurar pela vida afora. Mas não, era sábado à noite e ela estava parada no posto de gasolina, fumando o mesmo cigarro de sempre e vendo a vida passar - devagar, é verdade, mas passar - pela janela.
Cada tragada a fez lembrar de pessoas que ela nunca conheceu, outras que conheceu e acabou perdendo contato, os lugares que ela jurou visitar e a vida que ela nunca teve escorreu por entre seus dedos. Ela até tentou segurar, mas foi muito rápido. Assim como seus pensamentos, e as coisas que não foram nem nunca serão, a vida que ela sempre sonhou foi embora. Bem rápido. Ela até queria voltar, mas não dava mais.
Era tarde.
Assim, ela ligou o carro, fechou a mão que ainda estava suja do tempo e seguiu. Foi embora, mas não sem antes dar uma última olhada pela janela.
Era tarde.
Contemplo o lago mudo: F. Pessoa
Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
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